segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Desenvolvimento pela cultura

Estatísticas mundiais mostram que durante a última década as indústrias culturais – termo criado por Adorno e Hokheimer, expoentes da Escola de Frankfurt, que designa toda a produção cultural destinada ao consumo – ganharam espaço nas agendas políticas, por conta de sua evolução contínua como fonte de geração de renda e de empregos. Em diversos países, a Economia da Cultura chega a ser responsável por boa parcela do PIB, mostrando que a união entre desenvolvimento e cultura, para além de possível, é rentável. E o que até então parecia ser uma realidade restrita a países ricos, começa a despertar o interesse de regiões em processo de desenvolvimento, porém possuidoras de um vasto patrimônio cultural. No Brasil, o tema ainda não ganhou o devido peso, iniciando o processo de migração dos bancos acadêmicos para o dia-a-dia. No entanto, ainda existe muita confusão em torno do conceito.
Por isso, antes de entrar na questão será preciso considerar o conceito de Economia da Cultura. O termo abarca o setor econômico e simbólico da cultura, como a arte, o folclore, o artesanato, a indústria cultural, o patrimônio material e imaterial, e envolve produção, circulação e consumo de produtos e serviços culturais. Outro cuidado a ser tomado diz respeito à diferenciação entre Economia da Cultura e Economia Criativa, sendo esta última mais abrangente, o que inclui também o esporte, o turismo, a propaganda, a moda e a arquitetura, entre outros. Para uma ideia mais concreta, em 2006, o IBGE publicou, em parceria com o Ministério da Cultura, uma pesquisa com indicadores culturais que revelava que a Economia Criativa já respondia por 7% do PIB mundial, tendo os produtos culturais como principais itens da pauta de exportações dos Estados Unidos e representando 8% do PIB da Inglaterra à época.
Porém, como afirma a administradora pública, economista e autora do livro Economia da cultura e desenvolvimento sustentável – O caleidoscópio da cultura, Ana Carla Fonseca Reis, é delicado tomar esses indicadores como base, pois, como eles fazem parte de uma média, não refletem um setor em especial, mas a junção de vários deles. “Se formos partir para uma análise mais profunda, deveremos levar em consideração, por exemplo, processos inerentes à era digital, como a capacitação de softwares, o processamento de dados, as telecomunicações e a internet, que também compõem os quadros da Economia Criativa. É prematuro concluir que a cultura como entendemos cresce mais que os outros setores da economia”, explica.
Reis afirma que, atualmente, a globalização se tornou um paradoxo. Ao passo que o mundo fica com fronteiras cada vez mais tênues, as pessoas temem a diluição de suas identidades e buscam raízes num processo em que o local reforça o global. “O mundo está deixando de ser linear. Há um processo de aceleração da padronização de produtos e serviços. No ramo do turismo, por exemplo, o fluxo de turistas de negócios e de lazer tem crescido e estima-se que, em 2025, 1,6 bilhão de pessoas estarão viajando, transmitindo sua cultura e tendo acesso a outras. Mas essas pessoas não buscam algo padronizado; desejam o diferente, o singular, o local, e não o global”, diz. Para embasar sua fala, a administradora pública cita um conceito do economista indiano Amartya Sen, vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 1998, que diz que “o desenvolvimento requer a expansão de liberdades de escolha, ou seja, não basta ter um resultado final, a pessoa deve ser capaz de pensar no processo consciente de decisão, como o voto e até o consumo consciente”. E completa: “o problema é que há gente interessada em trabalhar com cultura, mas muitos o fazem de maneira pontual ou militante, já que a atividade não é devidamente remunerada, além de não haver um processo eficiente de distribuição do material produzido. As tecnologias digitais mudam essa questão, possibilitando um fluxo maior de distribuição e difusão”. Reis afirma que o investimento em tecnologias e produtos locais é um importante fator de diferenciação. “Para o desenvolvimento local é preciso preservar e fomentar os fazeres e saberes regionais que correm o risco de extinção, uma vez que para sobreviver muitas pessoas migram para outras cidades, perdendo o contato com sua cultura de origem”.
No âmbito global, Reis explica que ainda falta um índice que mostre o repasse de oportunidades. “O mundo cresce, mas o desenvolvimento não ocorre. Há discussões que apontam o investimento em criatividade como a solução para o desenvolvimento. E há países que trabalham visando esse objetivo, apostando em educação e capacitação. Pode-se dizer que adotar uma estratégia relacionada à cultura e à criatividade seria uma forma profícua de conquistar desenvolvimento, uma vez que esses dois elementos existem no mundo inteiro”.
É nesse cenário que estão inseridos o poder público e a iniciativa privada voltados para a Economia da Cultura. “O poder público deve fazer política cultural de conteúdo objetivo e claro, de forma transversal, mesclando ações de turismo, educação e desenvolvimento. Mas isso vem regredindo no Brasil pois as alianças de extremas esquerda e direita não se falam, o que dificulta o trabalho em conjunto. Devemos tomar como exemplo os trabalhos feitos em Bogotá, Bilbao, Medellín, Londres, que hoje têm continuidade e visibilidade no mundo. Nesse sentido, a pergunta a fazer é: como adotar um modelo de investimento a longo prazo no Brasil se não há continuidade? Temos um histórico de falta de investimentos em questões estruturais como a educação, sendo que quando há alguma ação, esta valoriza a quantidade em detrimento da qualidade. Com relação ao setor privado, acredito que já é hora de começar a ver a cultura como investimento e não como gasto”, diz Reis.
Para o pesquisador da Unicamp e autor do livro Arte, Privilégio e Distinção, José Carlos Durand, a educação cumpre um papel fundamental para uma orientação direcionada à cultura: “Por mais que se critique a qualidade da educação no Brasil, a inclusão escolar que estamos vivenciando a passos largos é muito auspiciosa como pré-requisito para o incremento da vida cultural a médio e longo prazos”, afirma. Nesse sentido, o avanço tecnológico da mídia digital é apontado por ele como um fator de barateamento da cultura para o consumidor final, o que colaboraria para o desenvolvimento da Economia da Cultura do País. “É um barateamento também para o artista iniciante, que pode preparar uma matriz – um disco, um livro – sem sair de casa. Com isso, produz os exemplares necessários para tentar se lançar”, conclui.
A economista Ana Carla Fonseca Reis acredita que um investimento contínuo em cultura, do ponto de vista simbólico e identitário, “levaria os seus diversos agentes a tratar a questão de forma séria, o que se desdobraria em estatísticas periódicas e políticas integradas. Acho que o Brasil tem tudo para desenvolver uma forte Economia da Cultura”, finaliza.
Laís Nitta e Priscila Fernandes/ Blog Acesso

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